Controle de Qualidade Plaquetas – Entendendo os Riscos do Processamento – PARTE 3 – TRANSFUSÃO
O processo de transfusão de plaquetas é delicado, porque a escolha da bolsa depende do que está disponível no estoque e também das condições do receptor.
As plaquetas ficam imersas no plasma do doador, que contém os anticorpos naturais do mesmo direcionadas, apenas para mencionar os dois principais, os sistemas ABO Rh. Desta maneira, as regras da transfusão de hemácias são similares às da transfusão de plaquetas, porém de forma inversa.
Os antígenos são estruturas compostas por proteínas ou açúcares que tem capacidade de ser identificadas no organismo, e induzir o sistema imune a gerar anticorpos. Os antígenos eritrocitários estão presentes na superfície da hemácia, e os anticorpos naturais e adquiridos do indivíduo, ficam suspensos no plasma.
O tipo sanguíneo de um indivíduo diz sucintamente dois antígenos que ele tenha, ou não, em suas hemácias. Quando uma pessoa diz ser “A+”, significa dizer de forma um pouco mais técnica, que na superfície da hemácia dela podem ser encontrados o antígeno de nome “A”, e o antígeno de nome “D”. Quando uma pessoa diz ser “B-” significa dizer que na superfície de sua hemácia pode ser encontrado o antígeno de nome “B”, porém, NÃO SERÁ ENCONTRADO o antígeno de nome “D”. Sempre que o antígeno “D” estiver presente na superfície da hemácia a pessoa será Rh POSITIVA.
Os anticorpos são formados com base no que o indivíduo NÃO POSSUI naturalmente, nos exemplos citados, uma pessoa “A+” teria anticorpos apenas contra o antígeno “B”, e uma pessoa “B-” teria anticorpos contra o antígeno “A” e também contra o antígeno “D”.
Este raciocínio de o que está presente no plasma do doador, e o que está presente no sangue do receptor é o primeiro passo para determinar qual bolsa será a adequada, caso contrário, pode haver uma reação transfusional ou as plaquetas transfundidas não melhorarão a deficiência do paciente, devido um fenômeno conhecido como refratariedade.
Outras condições poderão impactar nesta escolha, como por exemplo, pacientes que acabaram de passar por um transplante de medula e possuem duas populações distintas de hemácias, uma produzida por sua antiga medula e outra produzidas pela medula transplantada. Neste caso, a transfusão das plaquetas deve respeitar AMBAS as populações.
Um ponto relevante a ser mencionado, é que a escolha da bolsa adequada não significa a ausência de reações transfusionais ou de refratariedade. Existem substâncias presentes no plasma que podem iniciar processos inflamatórios, e principalmente em pacientes que demandam transfusão crônica de plaquetas, a exposição constante a múltiplos HLA´s pode dificultar a aceitação das plaquetas transfundidas. Nestes, mesmo que exista perda celular, a lavagem das plaquetas é recomendada para prevenir estas reações adversas.
Idealmente, plaquetas sempre devem ser transfundidas ISOGRUPO, ou seja, doador e receptor de mesmo tipo sanguíneo e fator RhD. Mas o que fazer quando isso não é possível?
Como mencionado anteriormente, as regras para transfusão de plaquetas são similares as da transfusão de hemácias, todavia é primordial ter em mente o que está no plasma do doador e o que está em circulação no sangue do paciente.
O plasma de um doador O- tem em circulação anticorpos naturais contra o antígeno D, portanto não poderá ser doador para nenhum paciente que seja Rh positivo porque seu plasma irá reagir com as hemácias do paciente. Também estão em suspensão neste plasma anticorpos naturais contra os antígenos A e B, portanto, as plaquetas de um doador O- também não poderão ser ministradas em nenhum paciente tipo A ou B independentemente de seu fator Rh.
Em contrapartida, um doador de plaquetas tipo AB+ não tem anticorpos naturais contra o antígeno D, A ou B, porque já possui todos esses antígenos em seu organismo naturalmente, no que toca a transfusão de plaquetas, doadores AB+ são os doadores universais.
Quando não existem plaquetas isogrupo para serem transfundidas, a Portaria MS nº 158 de 04 de fevereiro de 2016 recomenda a realização do teste de hemolisina:
Art. 123. É recomendada a realização do teste de hemolisina para transfusões de plaquetas não isogrupo utilizando-se um método qualitativo com incubação a 37ºC (trinta e sete graus Celsius).
Parágrafo único. Componentes sanguíneos com resultados de hemólise total ou parcial devem ser evitados em transfusões não isogrupo.
8º O plasma contido nos concentrados de plaquetas será ABO compatível com as hemácias do receptor.
9º Caso não seja possível o cumprimento do determinado no § 8º, recomenda-se avaliar o volume de plasma do componente sanguíneo e a presença de anti-A e anti-B de relevância clínica (hemolisina) na decisão de transfundir concentrado de plaquetas não isogrupo.
Antes da transfusão, uma amostra da bolsa deve ser armazenada caso uma investigação seja necessária, por contaminação bacteriana ou sorológica. O enfermeiro responsável pelo paciente também deve acompanhar os 15 primeiros minutos de transfusão para interromper o processo caso exista reação.
Art. 140. Pelo menos durante os 6 (seis) próximos meses após a doação, será conservada (plasmateca ou soroteca) uma alíquota da amostra de plasma ou soro de cada doação de sangue em temperatura igual ou inferior a -20° C (vinte graus Celsius negativos).
(Art. 140 Portaria n° 158, de 4 de Fevereiro de 2016)
*Letícia Farias Borges – Engenheira de Produção e pós graduada em Hemoterapia.
BIBLIOGRAFIA
1 – ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da diretoria colegiada- RDC nº 34, de 11 de Junho de 2014. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2867975/%281%29RDC_34_2014_COMP.pdf/ddd1d629-50a5-4c5b-a3e0-db9ab782f44a. Acessado em: 24/06/2020.
2 – BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 158, de 4 de Fevereiro de 2016.Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. Retrieved from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0158_04_02_2016.html