Qualificação de Transportes

01, April de 2019

Existem muitos controles no processo de fabricação e armazenamento dos produtos, entretanto se durante o transporte o produto não for conservado em uma temperatura ideal (conforme definido no registro), podem ocorrer alterações no produto final, comprometendo, a efetividade do fármaco ou produto, bem como a eficácia, a estabilidade e as características físico-químicas. Para garantir um transporte adequado é que devemos executar a Qualificação de Transportes.

E na sua empresa? Como estão as qualificações de transporte?

Nesse artigo vamos te dar orientações sobre a execução dessa atividade tão relevante para garantir a qualidade de seus produtos!

Qual guia ou legislação trata sobre o assunto?

A RDC nº 17, de abril de 2010, apenas cita que o transporte deve ser adequado, já a RDC nº 55, de 16 de dezembro de 2010, aborda superficialmente sobre a validação de transporte.

Em 2017, a ANVISA publicou a segunda versão do Guia de Qualificação de Transporte dos Produtos Biológicos, que nos ajuda bastante nesse tema.

A maior preocupação são com os produtos que possuem temperatura controlada, em geral de 2 a 8°C. No entanto, isso não exclui a necessidade de avaliar os riscos para transporte de medicamentos em temperatura ambiente.

Validação ou qualificação?

Apesar de a RDC n° 55/2010 usar o termo validação de transporte o guia da ANVISA recomenda fortemente que o termo usado seja qualificação de transporte.

Como qualificar?

Bom… você já sabe por que qualificar, qual legislação seguir, o termo utilizado, agora o próximo passo é como fazer.

Primeiro, veremos algumas definições:

Quais documentos são necessários?

1. Análise de Risco

O ideal é elaborar uma análise de riscos para ter uma visão geral da cadeia de transporte e conseguir mitigar todos os riscos encontrados.

A seguir apresento um exemplo de como pode ser elaborada:

2. Requerimentos de usuário

O requerimento é recomendado para um novo sistema de transporte ou se ocorrerem mudanças significativas e deve conter, no mínimo:

  • Caracterização de Rotas;
  • Verificação das condições ambientais;
  • Definição do perfil de temperatura;
  • Sistema de Transporte.

3.Protocolo

O guia da ANVISA recomenda realizar uma Qualificação de Projeto para verificar se o projeto está de acordo com o requerimento de usuário pré-definido. Particularmente, prefiro fazer um protocolo bem detalhado, descrevendo:

  • Meios de transporte: aéreo e/ou marítimo e/ou terrestre necessários durante toda a rota;
  • Tipo de sistema de transporte (passivo ou ativo); e materiais auxiliares (dimensão, material refrigerante, por exemplo) dentro do sistema de transporte utilizado;
  • Duração do processo de transporte;
  • Produtos transportados (volume, embalagem, forma farmacêutica);
  • Rota de transporte: distribuição local, internacional, distância e etc.;
  • Configuração da carga no sistema de transporte fotos e diagramas;
  • Volume da carga: quantidade do material mínima e máxima.
  • Localização, quantidade e justificativa para o posicionamento dos registradores de temperatura;
  • Certificados de calibração dos dispositivos de monitoramento de temperatura, informando a data da última e da próxima calibração;
  • Critérios de aceitação;
  • Condições ambientais: temperatura, umidade, variação das estações (inverno e verão), impacto e vibração.
  • Estratégia de testes: qualificação de operação, desempenho.

4.Qualificação de Operação

 A qualificação de operação é uma simulação das piores condições que podem acontecer no transporte real. É recomendado que os testes considerem um tempo maior do que o tempo real de transporte. Dessa forma, poderá ser estabelecida uma faixa de segurança em caso de imprevistos que possam ocorrer durante o transporte.

A realização dos testes deve ocorrer em ambientes de temperatura controlada, como por exemplo, em câmaras climáticas. Se não for possível realizar tais testes como a justificativa deve estar no protocolo.

O registro da temperatura interna e externa deve ser realizado em um intervalo máximo de 30 minutos.

Deve-se levar em consideração se durante o transporte serão realizadas atividades de abertura e fechamento do sistema de transporte. Também deve ser considerada a necessidade de reposição de material refrigerante.

Os testes devem ser feitos com carga mínima e máxima, pois a quantidade de massa térmica está diretamente relacionada à variação da temperatura interna.

É importante monitorar a temperatura externa, para simular as situações de inverno e verão da rota a ser utilizada. Para isso, deve ser utilizado um número maior de registradores de temperatura do que seria utilizado no transporte real. Dessa forma, será possível avaliar quais são os pontos críticos do sistema de transporte, mais suscetíveis às variações de temperatura.

A qualificação de operação pode ser realizada com o produto ou com amostras representativas do produto (placebo ou água). O resultado dos testes de operação estabelecerá o período máximo de tempo em que o sistema de transporte é capaz de manter a temperatura de conservação do produto, sem que haja excursão de temperatura, em cada situação testada.

Três simulações em cada cenário é o número mínimo considerado e recomendado para a elaboração do protocolo da qualificação de operação.

Testes vibracionais e de choque são avaliações adicionais para a qualificação de operação do sistema de transporte. Para sistema ativo dependente de energia o comportamento para uma queda de energia deve ser testado.

5.Qualificação de Desempenho

A qualificação de desempenho de um sistema de transporte consiste em embarques consecutivos do produto (ou de amostras representativas) em condições reais, para demonstrar que o processo realmente é efetivo e reprodutível.

Os embarques deverão ocorrer na época do ano onde a temperatura da rota seja mais crítica (exemplo: inverno e verão). 

A temperatura externa também deve ser monitorada ao longo de todo o transporte, por pelo menos um registrador. Os intervalos de registros devem ser entre 10 a 30 minutos.

O tipo, número, tamanho, localização e quantidade de material refrigerante utilizado nesta qualificação devem ser os mesmos utilizados nas qualificações de operação e descritos no protocolo de qualificação.

Normalmente, três transportes em cada cenário é o número mínimo considerado e recomendado para a elaboração do protocolo da qualificação de desempenho.

Os registradores de temperatura interna devem estar localizados nos pontos avaliados como mais críticos durante as qualificações de operação, de acordo com o volume do sistema e da quantidade de carga. O recomendado é utilizar, no mínimo, dois registradores.

Vale ressaltar que deve ser considerado um tempo extra durante o trajeto para se tenha uma margem de segurança em casos excepcionais como, por exemplo: greve de transportes, engarrafamentos e demora nos processos de descarregamento da carga.

6. Relatório

 Ao final de cada estudo deve ser elaborado um relatório com gráficos e tabelas que comprovem:

  • a eficácia da embalagem térmica testada;
  • a quantidade de elementos frios ideal para a manutenção térmica;
  • as especificações de cada material de embalagem, entre outros dados técnicos necessários para acreditar o estudo realizado.

O ideal é que os relatórios sejam emitidos para cada etapa e a seguinte somente seja iniciada após a conclusão e aprovação da etapa anterior.

Por exemplo, os testes de Qualificação de Desempenho somente poderão ser iniciados após a emissão e aprovação do relatório de Qualificação de Operação.

Revisão periódica

A manutenção do status “qualificado” deve ser feita através de revisão periódica.

Uma requalificação pode ser necessária quando for realizada a mudança de algum item que tenha impacto no sistema qualificado, como por exemplo:

  • o tipo, quantidade e posição dos elementos refrigerantes;
  • alteração significativa da rota;
  • modificação dos carregamentos mínimo e máximo;
  • alteração do sistema de transporte, além de outras modificações pertinentes.

Excursões de temperatura

Excursão de temperatura é o tempo em que o material fica fora da condição de temperatura especificada e deve ser sempre evitada.

Apesar de todos os cuidados tomados durante o transporte para que a temperatura ideal seja sempre mantida, algumas vezes, podem ocorrer excursões de temperatura por curtos períodos de tempo.

Essas ocorrências devem ser imediatamente investigadas para garantir que uma determinada excursão não será capaz de alterar a qualidade do produto até o prazo de validade.

Temperatura cinética média (MKT)

A temperatura cinética média é uma temperatura fixa calculada, que simula o efeito das variações de temperatura em um determinado período de tempo.

É utilizada para compensar as excursões de temperatura, no entanto, existem restrições para o uso da MKT.

Esse conceito é aplicável apenas para produtos armazenados à temperatura ambiente (15°C a 30°C). Ela não é apropriada para produtos que requeiram armazenagem a temperaturas baixas, como de 2°C a 8°C, por exemplo.

A MKT não pode ser utilizada para compensar um controle de temperatura precário ou a ausência deste durante o transporte de um medicamento.

A fórmula para calcular MKT é um pouco complexa, portanto caso queiram um artigo sobre MKT deixem nos comentários #comocalcularMKT que iremos escrever um artigo sobre esse assunto.

Estudo de estabilidade de estresse

O estudo de estabilidade avalia o impacto de curtas exposições a condições fora daquelas estabelecidas no rótulo do produto, que podem ocorrer durante o transporte e/ou armazenamento.

Cada condição de estresse imposta ao produto poderá levar a um determinado nível de degradação, afetando a sua qualidade.

Excursões de temperatura próximas à temperatura de conservação podem afetar minimamente o produto. No entanto, qualquer outra condição de estresse pode afetar significativamente sua qualidade.

Este tipo de estudo é capaz de avaliar o impacto das excursões de temperatura na qualidade do produto e é o exigido para dar suporte para possíveis intercorrências.

Os estudos de estabilidade estão regulamentados no Brasil pela RE nº 01, de 29 de julho de 2005 e pela RDC n º50 de 20 de setembro de 2011 (alterada pela RDC nº25, de 14 de maio de 2013).

 

 

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