Análise: Novo marco regulatório de Boas Práticas de Fabricação
Atualmente, as Boas Práticas de Fabricação (BPF) de Medicamentos são regulamentadas pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 17/2010, que foi elaborada com base no guia da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2003.
Nove anos se passaram, novas regulamentações internacionais foram publicadas (a OMS, por exemplo, já atualizou o guia duas vezes, em 2011 e 2014) e agora chega a vez a atualização do marco brasileiro. A principal referência da Agência para esta revisão são os guias PIC/s (Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme – Esquema de Cooperação de Inspeção Farmacêutica), publicados em 2018.
Em março/2019, a Anvisa conduziu um encontro com representantes do setor regulado que foi mais um passo na busca da agência em modernizar sua regulação e atualizar-se em relação às tendências internacionais relativas às BPF’s. O encontro teve como objetivo informar o setor regulado para que sejam avaliados os possíveis impactos que as alterações no marco provocarão no parque fabril brasileiro, bem como a necessidade do estabelecimento de prazos para adequações.
De acordo com a Agência, os próximos passos antes da implementação dessa mudança serão a realização de uma consulta pública e a deliberação da Diretoria Colegiada da Anvisa, sendo que a expectativa é que as novas resoluções estejam publicadas entre julho e agosto de 2019.
Considerando esse cenário, a BPx realizou uma avaliação dos documentos disponibilizados pela Anvisa e apresentamos aqui algumas das mudanças que o novo marco pode trazer para o nosso dia-a-dia.
É essencial que todos façam uma avaliação dos documentos disponibilizados (encontre o link ao final desse texto) para que a discussão, através da consulta pública, seja construtiva e contribua para que o documento a ser publicado seja claro, adequado e factível para a indústria farmacêutica.
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Inserção do conceito de “Sistema de Qualidade Farmacêutico (SQF)” em substituição ao termo “Gerenciamento da Qualidade” e “Garantia da Qualidade”
Conforme PE-009-14 (Part I) (GUIDE TO GOOD MANUFACTURING PRACTICE FOR MEDICINAL PRODUCTS), a Gestão da Qualidade é um conceito abrangente que incorpora as BPF, sendo que essas se aplicam às etapas do ciclo de vida dos produtos, desde a sua fabricação até a descontinuação. O conceito de SQF se expande para as atividades de desenvolvimento do produto.
A incorporação desse conceito tem o objetivo de alinhar as diretrizes das áreas de inovação e fabricação das indústrias farmacêuticas, de forma que os produtos já sejam desenvolvidos sob critérios estabelecidos de qualidade que o acompanharão durante todo o seu ciclo de vida.
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Gerenciamento e tratamento de desvios
Um dos focos principais do PE-009-14 (Part I) é a inserção do conceito Gerenciamento de Riscos da Qualidade (GRQ). O texto apresenta como responsabilidade do SQF a garantia de que:
“1.4.
(ix) os resultados do monitoramento de produtos e processos são levados em consideração na liberação do lote, na investigação de desvios e com o objetivo de tomar ações preventivas para evitar desvios potenciais que possam ocorrer no futuro;(…)
(xiv) um nível apropriado de análise da causa raiz deve ser aplicado durante investigação de desvios, suspeitas de defeitos no produto e outros problemas;”
Na prática, esses conceitos refletem uma exigência que já temos vivenciado com alguns auditores da agência e mesmo uma necessidade de várias empresas: dar robustez às investigações.
O texto infere que existirão casos em que causas raízes de desvios não serão identificadas, podendo ser indicadas causas prováveis ou contribuintes.
Além disso, o documento é explicito em relação a causas raízes relacionadas à mão-de-obra, descrevendo que, nesses casos, a conclusão deve ser justificada, bem como deve ser apresentada uma explicação de como hipóteses relacionadas a problemas de processo, procedimento ou sistema foram descartadas.
Também é ressaltada a necessidade de avaliação da eficácia das ações corretivas e preventivas implementadas, de acordo com os princípios do Gerenciamento de Riscos da Qualidade.
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Gerenciamentos de Riscos de Qualidade
Como já dito, este é um conceito que permeia todo o texto apresentado. Os princípios do GRQ apresentados, são:
“(1) A avaliação do risco à qualidade é baseada em conhecimento científico, experiência com o processo e, em última instância, vincula-se à proteção do paciente;
(2) O nível de esforço, formalidade e documentação do processo de Gerenciamento de Riscos da Qualidade é compatível com o nível de risco.”
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Gerenciamento de mudanças
Fica explícito no texto do PE-009-14 (Part I) a necessidade de uma avaliação do SQF da correta implementação de mudanças propostas após conclusão das ações propostas.
“1.4.
(xiii) Após a implementação de qualquer mudança, uma avaliação é realizada para confirmar que os objetivos de qualidade foram alcançados e que não houve impacto prejudicial não intencional na qualidade do produto;”
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Liberação de Produtos
Parte do texto do documento pode gerar um impacto significativo na rotina dos trabalhos de liberação de produtos. O documento informa que medicamentos não poderão ser comercializados antes que uma “Pessoa Autorizada” tenha certificado de que cada lote de produção foi produzido de acordo com os requerimentos de registro e quaisquer outras regulamentações relevantes para a produção, controle e liberação de medicamentos.
O conceito apresentado para “Pessoa Autorizada” é “Pessoa reconhecida por autoridade como tendo o conhecimento e a experiência científica e técnica básica necessária”.
Na prática, isso representa a necessidade de revisão e adequação dos colaboradores autorizados à realizar liberações, impactando principalmente nas responsabilidades atribuídas ao responsável técnico de cada empresa.
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Compartilhamento de áreas produtivas
Em consonância com os textos da RDC nº 33/2015 e da IN nº 2/2015, que tratam do compartilhamento de áreas produtivas de medicamentos com produtos para saúde, produtos de higiene, cosméticos e alimentos, o texto do novo marco regulatório apresenta a previsão da possibilidade de autorização de compartilhamento, desde que devidamente justificado e mediante apresentação de ações de prevenção à contaminação cruzada.
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Validação de transporte
Este é um item que promete uma boa discussão, visto que envolve não somente os fabricantes, mas toda uma cadeia de logística que precisa ser avaliada e mesmo capacitada. O texto do PE-009-14 (Part I) apresenta um item específico sobre a verificação dos transportes utilizados pelas indústrias farmacêuticas no qual podemos verificar a indicação de que durante o transporte o monitoramento contínuo e o registro de quaisquer condições ambientais críticas às quais o produto possa ser submetido deverão ser realizados, a menos que se justifique o contrário. A implementação desse item será um desafio revelante.
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Além desses pontos, chama atenção as várias inferências à integridade de dados, tema tão discutido em nosso meio nos últimos anos.
Ao ler os documentos disponibilizados pela Agência, você verificará que muitas das alterações propostas já fazem parte do nosso dia-a-dia. Assim, entendemos que o novo texto tem tudo para contribuir de forma positiva com os processos de produção de produtos farmacêuticas, deixando as regras mais claras e direcionadas.
Fique de olho nas próximas publicações da Agência e busque participar da consulta pública! A BPx irá montar um grupo de discussão para debatermos o texto, caso queira participar, entre em contato conosco!
A seguir, os documentos já disponibilizados pela agência (boa leitura!)
Guia BPF
Guia BPF PIC/s Livre Tradução
Anexos ao Guia BPF PIC/s
Anexos ao Guia BPF PIC/s Livre Tradução: Comparação das RDCs da Anvisa a serem revistas com o marco regulatório do Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/s, em inglês):
Anexo comparação RDC 17-2010
Anexo comparação RDC 63-2009
Anexo comparação RDC 69-2008