Controle de Qualidade Plaquetas – Entendendo os Riscos do Processamento – PARTE 1: COLETA

13, July de 2020

Hemocomponente é todo e qualquer material que originalmente era parte do sangue, e foi intencionalmente fracionado ou isolado, com o objetivo de ser utilizado em um paciente.

Devido a natureza de suas atividades, os hemocentros também se submetem às determinações da ANVISA, que por meio da RDC 34/2014¹ objetivou padronizar e racionalizar os processos do ciclo do sangue, estabelecendo boas práticas operacionais e controles para assegurar a qualidade do hemocomponente transfundido em um paciente.

Ademais dos pré-requisitos de uma doação de sangue normal, para uma doação de plaquetas alguns critérios extras precisam ser atendidos, são eles:

  • O doador precisa ter no mínimo 60 Kg e ter contagem mínima de 150 .000 plaquetas/L (sangue total) e 250. 000 plaquetas/L (plaquetaférese);
  • Bom acesso venoso;
  • Uso de medicamentos;

Em doações de sangue total que ocorrem em até 15 minutos, o acesso venoso é importante mas não é tão decisivo quanto em uma plaquetaférese. Nesta, o doador pode ficar por aproximadamente uma hora ou mais fazendo a doação, e somado à atividade da máquina de aférese que retira sangue do doador para depois retorná-lo pelo mesmo local, o acesso à veia pode ser perdido com facilidade e a realização de uma nova punção implica no uso de outra bolsa com possível perda do produto coletado na primeira.

Art. 34. A coleta de sangue deve ser realizada em condições assépticas, mediante uma só punção venosa, em bolsas plásticas, mantendo o sistema fechado, realizada por profissionais de saúde capacitados, sob supervisão de médico ou enfermeiro.

1° A higienização da pele do braço do doador deve ser realizada em duas etapas de antissepsia, com produtos registrados na Anvisa para utilização em serviços de saúde.

Se for necessária a realização de mais de uma punção, deve ser utilizada nova bolsa de coleta.

(Artigo 34 da RDC 34/2014)

O doador não pode ter feito uso de paracetamol, diuréticos, dipirona, antidepressivos ou ácido acetilsalicílico nos cinco dias anteriores à doação, seu uso não impede a doação de sangue pois não interfere na função das hemácias, mas interfere diretamente na função das plaquetas no organismo, o que inviabiliza sua doação.

Uma das principais atividades plaquetárias na hemostasis é formar coágulos de sangue e evitar hemorragias por exemplo, tal ação é totalmente contrária ao efeito da administração de ácido acetilsalicílico, que deixa as plaquetas inertes para impedir trombose². Após a interrupção da ingestão de aspirina a funcionalidade das plaquetas retorna a normalidade gradualmente a uma razão de 10% por dia.

A decisão de bloquear um doador para plaquetas por medicação está de acordo com o estabelecido pela RDC 34/2014 e pela Portaria de 2016:

3º A ingestão do ácido acetilsalicílico (aspirina) e/ou outros anti-inflamatórios não esteroides (AINE) que interfiram na função plaquetária, nos 3 (três) dias anteriores à doação, exclui a preparação de plaquetas para esta doação, mas não implica a inaptidão do candidato.

(Art. 44 da Portaria n° 158, de 4 de Fevereiro de 2016)³

A assepsia da pele antes da punção recebe uma atenção especial quando comparado ao controle de qualidade dos demais hemocomponentes devido ao alto risco de contaminação bacteriana. A pele do doador é responsável por 94% dos casos de contaminação de concentrados de plaquetas e hemácias4, e é fundamental para garantir a qualidade do produto final:

  • O profissional deverá levar em consideração o local que ele pretende fazer a punção, evitando áreas de cicatriz;
  • Assepsia com uso de gaze ou SWAB com polvidine degermante 10%;
  • Assepsia com uso de gaze ou SWAB em movimento espiral com polvidine tópico 1% ou clorohexidina 4% caso o doador tenha alergia a iodo.5

Uma vez feita a assepsia, o profissional não poderá mais apalpar o local para sentir a veia do doador, se assim o fizer, a assepsia deverá ser refeita. Alguns centros ainda adicionam uma etapa extra, que é a troca da luva usada na assepsia e apalpação para garantir a menor transferência possível de bactérias para a agulha e local de punção. Vale pontuar que os produtos mencionados para assepsia neste artigo representam o que se utiliza de maneira geral nos centros, mas a única recomendação da RDC 34/2014 é o uso de produtos aprovados pela ANVISA.

Parágrafo único. Deve-se evitar punção em locais com lesões dermatológicas ou cicatriciais, inclusive as relacionadas com punções anteriores.

Art. 74. A área da pele para punção venosa para coleta deve ser cuidadosamente preparada.

1º A área escolhida para a punção venosa deve ser submetida a uma cuidadosa higienização que deve contemplar duas etapas de antissepsia.

2º A veia a puncionar não deverá ser palpada após a preparação da pele.

3º Caso não seja possível observar o disposto no § 2º, todo o procedimento de higienização deverá ser repetido.

 (Portaria n° 158, de 4 de Fevereiro de 2016)         

A bolsa de sangue utilizada também possui recomendações para que seja adequada à coleta. Como a maior fonte de contaminação das bolsas são bactérias de pele, e fragmentos de pele do local da punção, é importante que as bolsas usadas na coleta possuam uma bolsa menor antes da satélite que possa receber o primeiro fluxo de sangue, que provavelmente conterá a maior parte dos fragmentos de pele e possíveis bactérias, e depois possa ser fechado o circuito permitindo o livre fluxo para a bolsa satélite.

3º É recomendado que o sistema de bolsa utilizado para coleta de amostras possibilite o desvio do primeiro fluxo de sangue da doação, reduzindo o risco de contaminação bacteriana dos componentes sanguíneos.

(Art. 77 da Portaria n° 158, de 4 de Fevereiro de 2016)

Após a doação, o doador deve permanecer no centro por aproximadamente 15 minutos para hidratação oral, e é aconselhável a alimentação do mesmo. Durante esse período ele deve permanecer sob monitoramento, caso tenha alguma reação adversa à doação.

Conforme artigo 130 da Portaria 158 de 2016, uma vez aceitas no processamento, as doações de plaquetas deverão ser submetidas a testes sorológicos para retipagem, titulação de anticorpos, e para identificação das seguintes doenças transmissíveis: Hepatite B, C, AIDS, Chagas, Sífilis, e HTLV I/II.

Parágrafo único. Nos protocolos do serviço de hemoterapia, devem constar outros testes realizados nas amostras de sangue dos doadores, tais como fenotipagem para outros antígenos de sistemas eritrocitários adicionais, testes de hemolisina, investigação de subgrupos de A1 e B e a identificação de anticorpos irregulares.

(RDC 34/2014)

A titulação de anticorpos é realizada antes do teste de hemolisina, que será abordado mais adiante.

Consiste na diluição do plasma em soro fisiológico em diversas porções seriadas, diminuindo o nível de concentração da solução original (o plasma). A intenção deste teste é fazer uma simulação in vitro do que ocorreria in vivo se este concentrado de plaquetas fosse transfundido em um paciente, mensurando a quantidade de anticorpos naturais direcionada a um determinado antígeno (A e B) que um doador do tipo O tenha em seu plasma. Após a diluição, uma gota de hemácias comerciais que contenham estes antígenos são adicionadas a solução e é observado se existe reação, e até que diluição houve reação.

Alguns serviços por experiência e critérios próprios podem estabelecer seu corte de aceitação das bolsas para diluições mais concentradas (1:64;1:32,1:16) porém isso pode limitar as opções de transfusão no futuro.

Atualmente existem opções para automação deste processo, cujos equipamentos são programados conforme as diretrizes de cada centro e realizam testes em múltiplas amostras de uma única vez, diminuindo o tempo de processamento e aumentando a sensibilidade da leitura dos resultados fazendo uso de feixes de luz. No entanto, em muitos centros a titulação das plaquetas ainda é realizada manualmente pelos colaboradores, desde o processo de diluição do plasma até a leitura dos resultados. O processo além de mais demorado, fica sujeito ao risco de erros operacionais que impactariam na fiabilidade dos resultados.

Erros de cálculo ou desatenção na manipulação das diluições não são incomuns e podem ter um efeito em cascata nos resultados, quando o colaborador aproveita a solução de uma diluição para preparar a próxima. Adicione ao processo erros de desatenção por associar os resultados do teste de um plasma ao código de identificação de outra bolsa, a interpretação do pó como sendo um resultado negativo, etc.

Este processo de análise e sorologia se inicia pouco após a coleta, e costuma tomar as primeiras 24 horas do processo. Obedecendo á Portaria MS 158/2016, apenas após aprovação da sorologia uma bolsa pode ser liberada:

13. Somente podem ser liberadas as bolsas com resultados não reagentes/negativos tanto para os testes sorológicos quanto para os testes de detecção de ácido nucleico.

 

*Letícia Farias Borges – Engenheira de Produção e pós graduada em Hemoterapia.

 

BIBLIOGRAFIA

1 – ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da diretoria colegiada- RDC nº 34, de 11 de Junho de 2014. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2867975/%281%29RDC_34_2014_COMP.pdf/ddd1d629-50a5-4c5b-a3e0-db9ab782f44a. Acessado em: 24/06/2020.

2 –  Gabriel, Sthefano Atique, Beteli, Camila Baumann, Tanighuchi, Rodrigo Seiji, Tristão, Cristiane Knopp, Gabriel, Edmo Atique, & Job, José Roberto Pretel Pereira. (2007). Resistência à aspirina e aterotrombose. Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery, 22(1), 96-103. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-76382007000100017

3 – BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 158, de 4 de Fevereiro de 2016.Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. Retrieved from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0158_04_02_2016.html

4-  ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. MATANA, SR. “Curso de Boas Práticas no Ciclo do Sangue”. Disponível em:  http://portal.anvisa.gov.br/documents/4048533/4317495/Controle+de+qualidade+de+hemocomponentes+-+FPSHSP+%281%29.pdf/4f529f56-d4a6-41dd-b069-b39e477b4bb1. Acessado em: 24/06/2020.

5- FREITAS, KBL (2011).“COLETAR SANGUE: um trabalho intenso e fundamental para garantir a vida”. Retrieved from: file:///C:/Users/MASTER/Downloads/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Mestrado-Katia-Butter.pdf

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