Erros no Processamento e Leitura dos Cartões em Gel – Rotina do Controle de Qualidade
“Parágrafo único. O serviço de hemoterapia deve realizar validação de processos considerados críticos para a garantia da qualidade dos produtos e serviços antes da sua introdução e revalidá-los sempre que forem alterados.”
(RDC 34/2014)
“§ 2º Todos os insumos e reagentes cujo fabricante permita manipulação ou aliquotagem devem ser rotulados após serem submetidos a tais procedimentos, de forma a garantir sua identificação, data de manipulação, data de validade e responsável pela manipulação.”
(Artigo 14, RDC 34/2014)
Quando se ouve a expressão “Controle de Qualidade”, os consumidores em geral tendem a acatar a aprovação do produto na Anvisa e o controle de qualidade realizado pelo fabricante antes da distribuição e considerá-lo suficiente.
Mas nos bancos de sangue, não é bem assim que a coisa funciona. Os provedores realizam um controle de qualidade rigoroso antes da liberação dos produtos na rede, mas uma vez recebidos, os produtos são avaliados novamente antes de admitidos no estoque, conferindo se o material recebido é o mesmo identificado na caixa, em busca de sinais nas caixas de possíveis quedas ou de condições de transporte que possam ter danificado o conteúdo, e são novamente testados antes de usados na rotina.
As rotinas criteriosas de testes que o controle de qualidade exige, fazem com que frequentemente os profissionais deste departamento sejam vistos como “os chatos” pelos demais membros da equipe. Mas as rotinas estabelecidas pela qualidade são exatamente o que possibilita identificar não conformidades, do fabricante ou próprias, que afetam a fiabilidade de um resultado.
Art. 105. O serviço de hemoterapia que execute testes laboratoriais deve realizar Controle de Qualidade Interno (CQI), utilizando amostras de controles adicionais aos fornecidos pelo fabricante do reagente em uso e de acordo com um plano de procedimentos previamente elaborado e validado, contendo as especificações dos critérios de aceitação.
Quase tudo deve ser revalidado diariamente, desde balanças, funcionamento dos homogeneizadores, itens usados para aferir a pressão dos doadores, validade dos degermantes, testes de máquinas automatizadas, viabilidade dos reagentes e diluentes, testes dos cartões em gel, todas essas são atividades de revalidações diárias antes do início das atividades.
Estes testes são realizados com materiais aprovados previamente pelo controle. Um diagnóstico realizado no dia anterior com os reagentes aprovados serve de referência para revalidar os mesmos reagentes no dia seguinte. A mesma recomendação se aplica para validação dos equipamentos (Art. 2° inciso 3° da portaria 158).
Os valores e resultados observados são registrados, frequentemente em uma planilha de Excel, para monitoramento dos critérios de aceitação e de formações de tendências. Pequenas variações são aceitáveis desde que dentro dos limites máximo e mínimo estabelecidos pelo controle de qualidade, caso contrário, o item deverá ser retirado do uso na rotina, e identificado como inapropriado até sua eliminação da área de trabalho. Equipamentos e demais itens que apresentam tendência (resultados que dia após dia se aproximam cada vez mais do limite superior ou inferior dos critérios de qualidade) também devem ser retirados do uso, e etiquetados até sua retirada da área de trabalho.
Parágrafo único. Os equipamentos com quaisquer defeitos não deverão ser utilizados, sendo claramente identificados como tal até a sua manutenção corretiva ou remoção definitiva da área de trabalho.
(RDC 34/2014)
1o As amostras controle devem ser monitoradas diariamente de acordo com o definido pelo Ministério da Saúde.
(Artigo 105, RDC 34/2014)
Os reagentes e diluentes são testados diariamente quanto á sua:
- Estabilidade (validade);
- Sensibilidade;
- Especificidade (Ex.: reagente anti-A reagindo com hemácias A);
- Potência/intensidade da reação;
- Sinais de hemólise;
- Presença de precipitado e partículas em suspensão;
- Concentração do PH (Phmetro/fitas de PH);
- Aparência (Mudanças de cor, alterações no vidro, rachaduras etc).
Além da inspeção visual, em busca de mudanças visíveis como formação de precipitado, alteração de cor, rachaduras, o monitoramento ao qual a lei se refere também engloba testes para garantir que dado material continua sendo apto a levar aos resultados esperados.
Conforme Anexo VIII, Art. 2° da Portaria 158, não são aceitos falsos negativos ou rendimento abaixo de 100% para testes de sensibilidade. Para testes de especificidade, apenas rendimento acima de 99% são considerados aptos.
O primeiro indício de contaminação de um reagente/diluente por bactérias e fungos é a alteração do PH5, com tempo suficiente, essa contaminação pode formar colônias nas paredes do reservatório ou na superfície do líquido, o que indica que o material foi armazenado incorretamente ou que no período que esteve em uso sobre a bancada foi contaminado.
Reatividades mais fracas (diminuição da potência/intensidade) são esperadas quando comparadas com reações de reagentes mais novos e amostras mais frescas. Como controlar a qualidade da amostra é muito mais complexo, tanto pela condição do paciente (título de anticorpos baixo, transplantado, etc.) como pela própria disponibilidade do estoque (uma bolsa mais antiga por exemplo) cabe ao departamento de qualidade monitorar o reagente e determinar se este enfraquecimento pode prejudicar um diagnóstico, ou não.
A alteração de cor em hemácias comerciais indica contaminação bacteriana, e hemólise significa que parte delas já morreu e liberou seu conteúdo no meio externo, logo, existem menos hemácias viáveis para ser reativas em um teste. Hemácias grosseiramente hemolisadas são responsáveis por resultados falso-positivos ou falso-negativos²,4 Além disso, sempre existe o risco de contaminação cruzada por causa da interação das pipetas ou dos conta gotas entre os vários reagentes comerciais durante a rotina, se tal evento de fato acontecesse os testes no dia seguinte iriam acusar a contaminação.
Falhas, ou a não observância destas etapas do controle de qualidade antes de introduzir o produto na rotina podem prejudicar significativamente um resultado, seja em cartão, tubo ou qualquer outro método. Por esta razão, os membros mais experientes do banco de sangue devem ser escalados para esta atividade, pois perceber as nuances de um possível enfraquecimento ou sensibilidade da reação em um reagente demanda um olhar perceptivo e muito treinado.
Vale recordar também a definição de validação. Não basta testar e validar diariamente a eficácia de um reagente, diluente, e equipamentos assistenciais, é preciso documentar o que foi feito e os resultados apresentados. Embora a RDC não faça uma recomendação direta de por quanto tempo este histórico de validações precisam permanecer à disposição, ela preconiza que “todas as atividades desenvolvidas pelo serviço de hemoterapia devem ser registradas e documentadas (…) e permanecer arquivados pelo período mínimo de 20 (vinte) anos.” (Artigo 15, e § 2 da RDC 34/2014).
Além de atenderem uma necessidade documental, os dados registrados compõe um histórico que podem ser usados pelo programa de manutenção de equipamentos, prevendo antecipadamente tendências fora da qualidade que sinalizam necessidade de manutenção ou substituição.
“LV – validação: evidência documentada de que um procedimento, processo, sistema ou método realmente conduz aos resultados esperados;”
(RDC 34/2014)
A legislação também exige que sempre que houverem mudanças de lote e, ou, remessa dos reagentes e conjuntos diagnósticos eles devem ser revalidados pelo controle de qualidade ANTES de disponibilizados para uso no laboratório.
Parágrafo único. Os resultados de desempenho do serviço de hemoterapia na avaliação externa da qualidade devem ser analisados criticamente, mantendo-se os registros das medidas corretivo preventivas adotadas.
Art. 107. O serviço de hemoterapia deve realizar controles de qualidade de cada lote e remessa dos reagentes e conjuntos diagnósticos antes da sua utilização na rotina de trabalho, de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde e as boas práticas vigentes, mantendo os registros dos procedimentos executados, dos resultados, das não conformidades e das ações corretivo-preventivas.
(RDC 34/2014)
Art. 3º O Controle de Qualidade Interno (CQI) será realizado com a finalidade de evidenciar a perda da sensibilidade dos ensaios, identificar variações lote a lote e remessa a remessa e detectar erros aleatórios ou sistemáticos.
(Portaria 158)
Quando o provedor realizou seu controle de qualidade ele usou equipamentos e materiais próprios para declarar valores alvo iniciais, mas cabe ao centro retestar os produtos e saber como ele reagirá com seus equipamentos que podem ter marca diferente, seus produtos, sob sua infraestrutura e condições ambientais, se o transporte alterou significativamente algum parâmetro, e assim, estabelecer valores de referência próprios.³ É possível também que alguns testes não tenham sido feitos pelo fabricante, tais testes estarão identificados na bula e se forem importantes para a rotina o centro poderá estabelecer seus valores referência.
Esta etapa também indica um parâmetro na qualificação de fornecedores. Ter um produto que é amplamente usado na área, um fornecedor que oferece programas de educação continuada sobre o material, e um programa de comparação interlaboratorial de resultados ajuda a ter mais segurança com os valores de referência obtidos, ou, desconfiar dos mesmos.
*Letícia Farias Borges – Engenheira de Produção e pós graduada em Hemoterapia.
BIBLIOGRAFIA
1 – ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da diretoria colegiada- RDC nº 34, de 11 de Junho de 2014. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2867975/%281%29RDC_34_2014_COMP.pdf/ddd1d629-50a5-4c5b-a3e0-db9ab782f44a. Acessado em: 24/07/2020.
2 – BIO-RAD. Webinar – “Série Fundamentos: Controle de Qualidade Interno de Reagentes Imuno-Hematológicos”. 20/07/2020 Disponível em: https://www.eventials.com/bio-rad/
3 – BIO-RAD. Universidade Bio-Rad, Curso “Blackboard”. Disponível em: https://universidadebiorad.eadbox.com/
4 – FDA. “Blood Grouping Reagent DG Gel 8 AB”. Disponível em: https://www.fda.gov/media/86217/download
5 – Myhre, B. A., Demianew, S. H., Yoshimori, R. N., Nelson, E. J., & Carmen, R. A. (1985). pH changes caused by bacterial growth in contaminated platelet concentrates. Annals of clinical and laboratory science, 15(6), 509–514. Retrieved from: http://www.annclinlabsci.org/content/15/6/509.full.pdf+html
https://www.fresenius-kabi.com/br/documents/IFU_20100_11.pdf